20100625

estrela, anel de brita, memória de cereja

Acendia a primeira estrela que era pra poder pensar durante a noite. O cinzeiro era um anel feito de brita, pedra de um brilho particular, e a fumaça eram memórias translúcidas cor-de-cereja. Acendia, então, a segunda estrela, mas já era quase de manhã. As memórias já estavam escassas, só nas sementes, e o brilho da brita transbordava um grito tão fosco que parecia ter passado por cinco dias seguidos. Talvez tivesse e, no lugar da segunda estrela, eu acendia a vigésima ou a trigésima. Enchia e esvaziava a brita de cor-de-cereja. Transbordava fosco e cansativo. Mas acender uma estrela após a outra ainda me fascinava de maneira que eu não conseguia poupar nem britas nem cerejas. Eu devia olhar para os lados e perceber que os dias passavam mais depressa quando eu estava entretida com as memórias. Mas não, a única coisa que preenchia meu pensamento era o fato de estar entre uma estrela e outra e, enquanto as estrelas eram consumidas, eu ia esquecendo da última estrela, ia jogando sua cor-de-cereja no caminho até acender a próxima e jogar novamente sua cor no caminho. O caminho era um amontoado de estrelas sucumbidas em memórias roídas até as sementes. E duplamente roídas por quem passasse e fosse seduzido como eu fui um dia. A verdade é que ando atrás de algumas memórias que ainda não chegaram na semente, porque desconfio que o mundo é esse anel de brita transbordado de fosco, cansativo.

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