20100830

Não é porque sei que quero ser. Não é porque escrevo que quero dizer. Não é porque durmo que quero sonhar. Viver de não querer é querer o que transborda. Transbordar é permitir negações dentro do pressuposto. Negar é afirmar que algo transbordou, atingiu o limite e o ultrapassou, alcançou o chão, o mar, o céu, a nuvem, o vento e voou pra além do que se pensa, do que se cria, do que se nega, do que se entrega de bandeja ainda cru, ainda quieto e dormido, ainda pequeno, transparente, sensato, inocente e tão complexo, perplexo, composto de metáforas hiperbólicas, bruxólicas, magnólias ou margaridas.

20100827

ilógica saudade

20100826

alga ou algures


– Para você ser alguém no mundo, você deve se adaptar às culturas existentes ou absorvê-las com tal intensidade que você consiga transgredí-las etc.
– E se eu quiser ser "algo" faço o quê? Morro?
– Morro ou praia.

20100822

Pupilas pulsantes e polidas.

Anemia em sonolência, apatia e desmemória. Sangue cor de rosa vermelha com luminosidade exagerada. Sagu que desuva com leite-condensado. Salto delgado e quase transparente. Sumiço contínuo e horizontal. Momento propício para deitar sobre o ruído da geladeira. Sentimento similar ao de abrir todas as portas de todos os armários da casa. Respiração do laptop em vias mais aquecidas do que humanas. Localização enlouquecida. Desovamento do olhar sobre a almofada de cetim. Espalhafato que se pausa para se amassar até desencontrar os próprios dedos. Pupilas gustativas ou papoulas.

o que eu queria dizer era outra coisa

Acabaram de zarpar pelo menos umas 15 palavras da minha cabeça. Juro que estava tudo muito claro e foi questão de 15 minutos. Uma palavra por minuto. Um minuto por passo até o quarto. Até eu me enfiar debaixo dos edredons. 15 edredons. Mentira. Dois edredons e duas cobertas, intercalados. Azul, verde, vermelho e roxo. De dentro pra fora, assim como o meu frio.

20100818

– E você, como designer, o que pensa?
– Em primeiro lugar eu odeio.
– Odeia o quê?
– Calma.
– Odeia calma?
– É, poderia ser. Mas não foi isso que eu quis dizer.
– Você quis dizer que odeia o design?
– Também poderia ser.
– Então você odeia o design... da calma?
– O que eu disse é que odeio antes de pensar!
– Ah, então foi isso que você quis dizer...
– Não, isso não foi o que eu quis dizer, isso foi o que eu disse.
– Mas, então, se você odeia antes de pensar, você já pensa de modo contaminado...
– Mais ou menos, na verdade eu odeio, penso e o desdobramento depende da relação entre como as duas coisas acontecem.
– O que você quer dizer com isso?
– Oras, você nunca saberá, pois você só poderá atingir o que eu disse, nunca o que eu quis dizer, compreende?
– Eu não posso imaginar?
– Pode.
– Então eu posso atingir o que você quis dizer.
– Você pode atingir as alternativas possíveis-pensáveis dentro do seu repertório de informações e experiências sobre o que eu quis dizer. Mas o que eu quis dizer, não com isso, sobre querer dizer, só dentro da minha cabeça. Sendo que lá, às vezes, nem mesmo eu alcanço.
– Como você pode dizer sem saber o que quer dizer?
– Em primeiro lugar eu odeio.

Batedeira elétrica.

Fome por uma extremidade do corpo. O corpo inteiro coberto de pêlos escuros. Asco humano. Jantar do primeiro cão nascente. Um pouco de proteína e vitamina B12. Morte imediata por ser repartido ao meio. Viagem sonâmbula ao centro do corpo. Velocidade mandibular. Contaminação do substrato. Pano que já passou de sua fase de glamour. Absorção de micro e macro-poças. Partículas de sobremesa. Barulho insuportável que adquiriu seu espaço na paisagem cotidiana. Agito dentro da cabeça.

20100813

Antes os berros e os contra-berros.

Enfim a situação explodia. Mas, ao contrário do que era esperado, movimentou-se tranquilamente sobre as vias do acontecimento. E, apesar das longínquas dimensões que tomou da vida de ambos, adormeceu num pulo por dentro dos dois corpos. Como areia da praia engarrafada pro santo. A questão é que ambos sumiram da própria explosão interna como cães que fogem dos fogos-de-artifício nas viradas de ano. Só que os fogos estavam por dentro e a única coisa que virava em artifício era a lábia inacreditável e natural de ignorar o assunto. Ou de lidar tão silenciosamente com ele que o tornava inviável fisiologicamente. Como algo inexistente pro santo. Mesmo assim, era inelutável qualquer tentativa de realidade. Não que deva ser compreensível, em todo tempo prezou-se injustamente o verso. Talvez por isso, até hoje, nem sequer alcanço a minha fala sobre ele.

Certa vez me disseram para não falar com estranhos.

Eis que não podia nem mais conversar comigo mesma.

20100812

Casa coberta de telhas.

Pessoas fazendo mímica em volta da maior mesa. Cães deitados no chão da sala. Duas pessoas subindo as escadas. Lembranças de infância da janela pra fora. Uma pessoa descendo as escadas. Outra pessoa descendo as escadas. Uma pessoa repetida. Duas pessoas subindo as escadas. Duas pessoas saindo pela janela das lembranças. Um gato. Diálogo intercalado de miados. Punhado de timidez. Situação suspeita. Desejos duplicados e contrastantes. Um beijo de um lado e um vômito de outro. Desdobramento confortável e surpreendente. Conversa noturna e pausada. Coleção de toques. Receio de cair o dia. Necessidade de engatinhar para não morrer ou quase. Algumas telhas transbordadas. Por dentro da janela. Por dentro do quarto. Por dentro da noite.

20100811

Realidade subestimável em polímero.

Sete senhas esperando pelo jantar. Toque enjoativo do celular do vizinho. Notícia inovadora e de cunho pessoal. Percepção através da janela. Goteira pausadamente apaixonada. Treze batidas fortes na porta dos fundos. Amor à décima quarta batida. Molho vermelho temperado com erva-doce. Goles volumosos e ansiosos. Esquecimento à prova de balas. Diabetes sentimentais. Ausência de distâncias longitudinais. Concorrência inusitada à meia-noite. O cúmulo do desafio. Parâmetro desfiado sobre a sopa. Realidade subestimável em polímero. Mamão lanhado descansando na lembrança de 25 de abril. Sorrisos seguidos e por motivo justo. Loucura cúbica. Margaridas murchas e tranquilas. Alguém que atende por Pedro ou Alice. Larica de alface com limão e açúcar. Pessoa aflita para chegar ao banheiro. Colheita de falas sinistras absurdamente práticas, curtas e colaborativas. Banheiro contaminado com sangue fosforescente, magenta e perfumado. Estado inusitado de esgoto. Estômago embrulhado para presente. Noção fora de época. Reprovação em matéria ebulida, sem ácaros e desimportante. Dinheiro que não vale. Interruptor consciente de sua feiúra. Qualquer coisa mal-cheirosa deitada no sofá de três lugares. Combinação imprópria logo na primeira lacuna. Amantes convictos desesperados por sentimento morno. Lógica de encher três potes de diferentes tamanhos com o mesmo sal marinho. Lençol desmaiado e faminto sobre a cama de casal. Hibernação das salamandras.

20100808

– O que significa isto?
– Tem que significar?
– Onde estão as minhas gotas de vinil?
– Pingaram, mas não significaram mesmo assim.
– Pingaram cola, eu vi anteontem, mas isto não quer dizer.
– E não disse.

20100807

Pensamentos suicidas inevitáveis e frequentes.

Telefonema por engano em pensão gringa. Doença duradoura, amarelada e silenciosa. Afago despretensioso às duas horas da tarde. Desespero em surpresa das memórias farpadas. Farinha de mandioca misturada em pudim de baunilha. Capuccino com chocolate em falta na dor de cabeça. Luz e dúvida amalgamadas. Parede inchada de tanto chorar a falta de qualidade dos sentimentos. Areia fofa nos ouvidos. Cinco extremidades ressecadas por conta dos toques humanos. Chutes e socos contra a parede durante o banho quente e relaxante. Olhar intenso e longínquo do macaco de pelúcia com coração simétrico e centralizado no peito. Leitura insignificante e ligeiramente adormecida. Conversas com ex-namorados sob pressão de amor vintage. Reavaliação da vida entre aspas. Conceitos volumosos e entediantes. Vontade hipopótimica de sumir enquanto dorme. Premissa de saudade de memória inventada. Filhos adotados por necessidade de todos. Efeito reduzido por complicação pálida, azeda e permanente. Antes da salada de frutas cítricas e avermelhadas. Menino que não morre nem vive. Lembrança que plange enquanto a casa é organizada nos mínimos detalhes. Segmentos flácidos e inesperados de rupturas. Vertiginosa desatenção em volta dos ombros. Latido lastimável de ser humano incógnito. Palavra solta engolida por pássaro comprido e magro. Céu fechado para balanço.

Já na primeira semana.

Como se algo tivesse que evaporar, derreter, ser rejeitado ou transformado para que houvesse alguma continuação dessa coisa que ainda permanece travada em pensamento, mesmo depois dessa primeira semana, desse primeiro ato em que me picotei junto, ao passar a tesoura, sem pensar, em todos os fios que apareciam, que pulsavam tanto quanto minha compulsidade de dissolver matéria para conseguir respirar de novo.

Com o lixeiro transbordando desfio, com a cabeça desfiada também nos pensamentos ausentes, entristeci como quem perde algo precioso, mesmo que fútil até hoje.

A imagem, tão irreconhecível, me deixou ligeiramente tímida de mim mesma: sumi. Era o que eu queria inconscientemente, pode ser. Sumir de mim. Sumim. Até o silêncio me tomou de um jeito diferente, me alcançou em todas as partes do corpo e também nas partes onde meu corpo alcançava.

Picotada, desmaiada e de aspecto duvidoso. Em pensar que a dúvida me preenchia com desleixo ruidoso há alguns poucos momentos. Silenciei, pois não conseguia fazer nada a não ser.

Meus olhos continuam ardentes, com os cantos avermelhados e com o restante opaco. Picotei também o que estava tentando ver, na ânsia de desmanchar o que nunca foi manchado, pois na dúvida a certeza de não ser falha. Malha então outra coisa.

Na comida desconto meu desprezo. Prezo meu canto de não ser feliz enquanto duro. Amoleço. Como lesma encantada, jogada daqui pra fora, refeita em mim, em picote de cabelo, nessa compulsividade que não pára, que não rara.

Até o céu.

20100806

prazeres relacionados a enfermidades:

1 depois do espirro
2 efeito de três neusaldinas + uma maracujina
3 agulha saindo da pele
4 dormir dopada
5 antes do desmaio
6 felicidade súbita após internação
7 vômito
8 sopa quente na dor de garganta
9 danete depois da extração dos cisos
10 dormir o dia inteiro sem peso na consciência
11 perceber a desimportância do dinheiro
12 morrer um pouquinho

20100804

coisa qualquer me faz querer qualquer coisa que não seja coisa qualquer