20101223

primeiros pensamentos para 2011

~~ Quem diria que engolir em vermelho faz cuspir em prédios, hein?
~~ Em prédios, balões e cortinas, devo te esclarecer.
~~ Mas antes é preciso resguardar laterais e diagonais.
~~ Semelhante a lentilha agridoce?
~~ Exatamente dentro da pirâmide de vento leste.
~~ Você só pode estar de cabeleira pra dilatar uma coisa dessas.

[momento de silício]

~~ Que solidão de cobaia em águas mornas, parece até que somos instrumentistas!

[momento sulfúrico]

~~ O que mesmo eu devia vislumbrar pela estrada fractuosa?
~~ Eu saberia se a cabeça da cama houvesse.
~~ Confesse!
~~ Pois chá! Não mais me preocupo com os zunidos de iodo.
~~ Lacunais-nos enquanto há tempo.
~~ Sorrateiramente?
~~ Desconfio que pirilampos e lamparinas sabem o que fazer.

[mistura]

~~ A hora está próxima, ouço muito bem os pontos cardeais.
~~ Não me respondeste, exuberante te passo de volta os travessões.
~~ Fato é que quero os travesseiros ou uma bebida que uiva em latim.
~~ Morres e não invejas tudo... ou seria invejas tudo e não morres?
~~ Pois saiba que morro de sofreguidão ao pensar nos laticínios.

20101220

pensamento sem critério:

1 tudo suporta
2 nada suporta

20101213

"Algo me diz que" - pensa o homem até ser interrompido por uma nuvem com outro pensamento: "Não fui eu que disse" - retruca uma das cadeiras

20101210

Jogatina

Como saladas e saladas de palavras de nomes de palavras de saladas. De lado de frente subentende salientes palavras e letras de baralho. Embaralho paradas almofadas de nomes de doces. De doces nomes azedos com farinha com óleo com medos com panos com pingos de baixos prelúdios escombros de sombras. Destroços, desfecho, embaraço. Embaço. Vestígios e cacarecos. Paparicos dentro de paparicos. Trabalhuras e sérios mistérios. Categórico estatístico magnífico germânico e sintético. Cético. Assoalho arábico e púdico. Específico histórico gástrico de névoa em bico de ave cor-de-pele. Cor-de-pena de pele. Pena de pele pena pelo pene. Pelada de cor de pena-em-pena de pele-em-pele. Ser de leve algo astuto rápido movediço e nítido metido em falsificar rubrica em pele de preso no papel pele-de-ovo ou pena. Presídio.

Joaquim de sexta-feira

Estava andando pela Beira-mar na parte onde não tem mar. Nem sal, nem areia. Apenas carros. E pessoas com cachorros ou bicicletas. E cachorros perdidos. O cachorro perdido era meu. Foi meu. Foi e não foi. É que achei o cachorro perdido e podia simplesmente não devolver. Atendia pelo nome de Joaquim. Era marrom e dócil. Me apeguei tanto ao cachorro que não quis recompensa. Mesmo sabendo que Joaquim podia ajudar a pagar a conta de luz desse mês. Afinal de contas é natal e tive que gastar o dinheiro com meu amigo secreto. Joaquim me olhou como se fosse um gato de botas. Mas Joaquim é um salsicha sem botas. Telefonei para o dono de Joaquim, mesmo sabendo que Joaquim não gostava do fato de ter um dono. Por isso perguntei ao telefone pelo seu "amigo". Não foi à toa que, enquanto eu conversava com o amigo, Joaquim me mostrava um meio-sorriso. Combinei um encontro com o amigo em seguida. Mas foi difícil pra mim. Podia ficar com Joaquim pro resto da vida. Marrom, gentil e salsicha sem botas. O amigo de Joaquim ficou muito feliz, chegou a insistir na recompensa. E eu sou lá de querer recompensa por encontrar um amigo perdido numa Beira-mar cheia de carros? O amigo de Joaquim me convidou pra outro café depois de ver o quanto Joaquim simpatizou comigo. Não pude negar, ele era bonito e gentil como o cachorro. Só que não era salsicha. Mas também não usava botas e era quase marrom.

Vem

Parar no meio da prosa aos poucos. Bem aos pouquinhos. Uma gota de pouco, um pouco de gota de pouca, uma gota de pouca gota de pouco-em-pouco de pouca-em-pouca gota. Uma pouca. Bem às pouquinhas. Em boca. Na bocadura de poucas gotas. Na bocadura de gelo. Na contra-bocadura. Na boca-mole. Na boca de pouca-mole. Na gota mole. Nole-nole.

Surtar sob o lençol rispidamente. Surtar sobre o lençol calmamente. Respirando pesado, muito ar em pouco espaço. Respirando leve, pouco ar em muito espaço. Respirando espaço, vácuo.

Longas pernas de metal. Fora do corpo, outro corpo.

Calúnia invertida. Inverno. O que era meu, teu. Inerte.

Sonhai-vos uns com os outros como eu vos sonhei.

Vento.

20101125

2h10 parte dois/post-conversa pro yuri brah

Só porque um dia teve parte um./Resolvi o problema.

particular

– Quanto mais particular é a coisa, mais ela se multiplica. Imagine um problema qualquer. Agora cinco pessoas pensando juntas. Agora cinco pessoas pensando separadas sem nunca terem pensado juntas. Somamos cinco problemas.
– Mas cinco pessoas tem um problema sem solução e cinco pessoas separadas tem cinco soluções.
– É só beber três goles d'água de cabeça pra baixo.
poema não põe mesa
nem mesa põe poema
e sobremesa?

LUTO

– Luta por quê?
– Luto porque alguém morreu.
– Ué, mas luta depois que morre? Sempre achei que lutasse antes e morria depois...

20101120

coração sem fundo:

1 nada comporta
2 tudo comporta

20101118

esse texto devia continuar, mas me deu sono e não confio em mim pra continuar depois, então, isso é tudo até não ser mais

Vou fazer o possível para que saibas o que eu não irei te dizer. Mas isso pode demorar algum tempo, talvez até alguns anos. Porque quando a gente vai envelhecendo, as coisas vão sendo contadas em anos, não mais em dias ou semanas. Tem uma curiosidade que lateja toda vez que ouço o teu nome sem ser em ti, mas isso não acontece de fato quando é em ti. Acho que nesse caso quem lateja és tu. É? Posso te dizer que tenho sonhado contigo e também que te misturo com outras pessoas algumas vezes. Isso acontece aleatoriamente e eu até gosto. Embolo um monte de sentimento diferente e sonho. Coisa de quem não tem mais o que sonhar mesmo. É que na desordem e na demora da vida, os acontecimentos vão sendo assim e se acumulam na memória. Montanhas e alpes. Sorvetes de creme. Não acredito que eu não dê conta de te fazer saber, mesmo assim, em segredo novamente. É aos poucos que o vento bate no rosto, vento sul serve só pra levantar a saia e deixar a gente encabulada. Quis dizer que vento sul não bate forte no rosto como bate nas árvores e nos telhados. Isso me lembra uma vez em que alguém dessa mistura dos meus sonhos me protegia do vento e das telhas que voavam. E nem vento sul era. Achei que ia morrer, então acordei. Morri pro sonho. Eu não estava muito ocupada, podia muito bem ter sobrevivido. Mas tu acordaste comigo, então tudo bem. Ficamos desocupados e desventados sob o início do dia. Tomamos café, conversamos e acabamos numa competição de quem consegue deixar o pão cair com a manteiga pra cima. Isso no prato, pra poder comer o pão depois. Mesmo com a tua insistência que a regra dos 3 segundos valia alguma coisa nesse jogo. Depois de algumas risadas e comentários comprometedores, nos separamos por algum tempo que não consigo contar no calendário. Talvez tu consigas. Quanto a mim, guardo o meu sorriso mais bobo e tímido pra quando eu pegar no sono e te ver de novo. Ainda que um pouco misturado com meio mundo, adoro os teus talvez mais ou menos não sei quem sabe e agora. Mesmo que isso não seja propriamente teu. Acho mesmo que não é, mas quem se importa? O que eu posso querer de ti se não os outros? Aí que está a graciosidade da coisa, a gente pode inventar as pessoas dentro das pessoas e depois acorda e passa o tempo até voltar a ficar com sono. O sono enquanto desfoque do passa-tempo quero dizer, não que alguém precise dormir pra isso. Aliás, a maior parte das misturas dentro da cabeça se passam sob um cafuné ou sob uma distração no meio da reunião. Ou sob o almoço mais bem preparado e temperado. Ou ainda sob a sobremesa sob o sol sob o guarda-sol. Ou sob os óculos-escuros. Ou sob o chão, pra quem mora em apartamento como eu. Ou sob as pessoas que dormem, pra aproveitar a mesma névoa e evitar mais um preparo pra desfoque. De qualquer maneira, de qualquer maneira.

20101117

das gentes que eu odeio:

gente que é desorganizada demais, que é desorganizada de menos, que quer chocar a sociedade, que nunca estuda e se acha inteligente, que é inteligente mas nunca estuda, que tem convicções sobre tudo, que não tem convicção alguma, que fala muito e faz pouco, que fala muito, que faz cara feia pra qualquer crítica, que faz cara feia, que critica tudo, que está sempre de mau humor, que está sempre de bom humor, gente que eu amo demais.

20101110

mudou-se o mundo

Até então o mundo era cegueta
e as pessoas dividiam sua única gaveta
por não enxergarem as meias encardidas.
Mas hoje não é preciso nem umas mordidas
pra tirar das barrigas a borboleta.

20101106










(se o meu pensamento fosse mudo
tudo seria tão mais minimal)
– Quem tem sono não tem jeito.
– E quem tem jeito não tem sono, lembro disso.
– Isto não é uma mão, é uma peça... Eu não tenho estômago, tenho um circuito.
– Não é nada pessoal, lembra? Foi o que ele disse.
– Claro que não, é tudo mecânico, disse eu.
– Como era? É ruim pra instituição...
– Isso! É ruim porque os índices aumentam. Um índice! Uma vez eu era indie, agora eu sou um índice!
– Ou um indício.
– Um indício de que quem tem sono não tem jeito e vice-versa.
– E quem tem sonho?
– Depende, só se for pesadelo.
– Tenho mania de escrever sem critérios, o que vem na cabeça.
– E?
– E aí que penso que nunca ninguém vai ler.
– E?
– E aí que às vezes umas pessoas dizem que leram.
– E?
– E aí elas tem acesso à bagunça da minha cabeça.
– E?
– E aí elas pensam que a bagunça sou eu.
– E não é?
– É, mas ninguém precisaria ficar sabendo.
– Quer dizer que isso não passa de uma mentira?
– Quer dizer que isso não passa.
– Quer dizer isso?
– Quer.
– Então isso fica?
– Isso.
– Fica onde?
– Onde?
– Isso.
– Justamente na mentira.
– Justamente?
– Não passa, fica nela e se torna verdade.
– Justamente. Entendi.
– Será que isso vai dar certo?
– Se não der, não passa de uma mentira.
– E se der?
– Verdade.
– Como?
– Come.
– Por que você está comigo de novo?
– Porque você está comigo de novo.
– Por que você continua assim?
– Porque você continua assim.
– Por que você não vai embora logo?
– Porque você é minha melhor casa.
– Vamos ficar aqui pra sempre?
– Até podemos, mas não acho uma boa ideia.
– Metade disso então, que tal?
– Depende. Metade de pra sempre é quanto?
– É daqui a pouco, dá pra contar nos dedos...
– Tá, vou começar.

[10 dedos depois]

– Posso ir embora agora?
– Não deu metade de pra sempre ainda, não percebes?
– Mas já se passaram 10 dedos!
– É possível que tenhas esquecido de regular teus dedos com o fuso certo, a culpa não é minha. Vamos ter que regular e começar a contar do zero.
– Mas não tenho nenhum dedo-zero e agora?
– Teremos que ficar aqui pra sempre, então.
– Como saberemos quando isso chegar se não podemos contar?
– Não saberemos.

amigos-almofada

O bom de ter amigos-almofada é que você pode deitar neles, apertá-los, mordê-los, socá-los, jogá-los contra a parede, pisar em cima deles e até mesmo espetá-los com alfinetes, como se fossem vudus, e, ainda assim, eles continuam sendo fofos, companheiros e vestidos com sua estampa preferida.

2 em 1

– Por que você nunca vai nas festas?
– Porque é tudo sempre igual, as pessoas são iguais, sempre iguais...
– Já que somos todos iguais, por que você não fica com o vizinho em vez de ficar comigo?
– Porque basta eu ficar contigo pra eu ficar com o vizinho.
– Eu juro que eu pensei mesmo em ir embora na hora certa, mas aí quando tinha terminado o pensamento, a hora certa de ir já tinha ido primeiro.
– O fato é que a hora foi e você ficou novamente.
– O que eu podia fazer se você deixou a gente na penumbra?
– Ir embora na penumbra.

20101102

a "palavra" grita

Tem vezes que eu queria chegar aqui e escrever um texto bonito, que dissesse as coisas de um jeito minucioso, longínquo, sereno. Outras vezes lembro que no mínimo uma farpa deve conter nesse texto pra não tender à náusea. Eis que me deparo com as palavras que formariam essa maciez e essa rigidez, por vezes se alternando, outras vezes se completando. Aí as palavras me conquistam e eu esqueço o tal assunto bonito-ríspido que eu queria desenrolar nas linhas. Penso na primeira palavra e já vem de súbito a segunda e a terceira. Como se a maciez que eu quisesse colocar no texto estivesse na palavra "maçã" e a rispidez na palavra "criar". E uma loucura na palavra "explica" ou "ceroula". E raiva na palavra "rápido" ou "ventilador". Algo como: "Cria nessa maçã que te explico rápido como vestir uma ceroula na frente do ventilador." Esse texto é completo, compreende?
boicote
coyote
boicute
coybeauty

Cotidiano

Desalinho. Desfaço. Despeço. Que é pra acontecer na volta. Desvolto e pontuo. Faleço, embriago e continuo. Sorrio e mudeço. Meço, calço e morro. Desmorro. Desmaio. Desejo. Que é por quase nós. Desato. Que é por alinhavo. Desuso. Que é por descanso. Que é por deslize. Montanha. Mala. Mostarda. Que reprova, que renova, que revoga. Queda.

20101101

Desengano é isto.

Corro leve, levo as folhas entre os pés e pouso. Flutuo mais um pouco e desmaio sobre um pedaço da paisagem azul. Sobre a terra vermelha nublada. Tudo turvo sob os olhos. Todos olhos sobre a névoa. Toda névoa. Toda. Até não sobrar nem um fio latente de sereno. Azul-pardo. Se eu fosse outra pessoa, podia não estar enjoada. Enjôo de tão somente sentar na poltrona e pensar em água, em vinho, em xícara sobre xícara. Amanheço em mar de náusea. Só de sentir, só de morrer pro sono, só de viver e andar. A cada piscada uma tentativa nova de adaptação. Um brinde de piscadelas à cegueira voluntária. Ops, telefone: "Alô, desculpa, foi desengano" me disse o moço ainda a pouco. E me desligou. Posso trocar a cegueira pela surdez?

20101022

só de preguiça, só de desmaio, só de malícia. sereno de só, sulfúrico. saltitante ou suspenso. senso súbito de mudez: pálida e polida. pungente palavra é pingente de larva. pilha sem carga, parda sarda. de nudez: morder alguém que tarda. ou alguém que guarda. volver

papo de ovo passado

Antes da salada tinha um ovo de avestruz. Ou era de codorna? Ele estava picado, por isso não servia a especificidade do diâmetro. Podiam ser vários de codorna ou metade de avestruz. Podia ser de galinha também, mas acho que o momento pedia algo um pouco distinto. Tadinha da galinha, tão cotidiana... Depois vinha a salada. Tinha de tudo um pouco. Não de tudo-tudo, mas uma boa parte de tudo. Tinha também um pouco da parte ruim na verdade. Sempre tem, né? Se bem que hoje eu entendo que até as partes ruins merecem um pouco de felicidade e respeito, coitadas. Aí elas viram um pouco de confusão e até deixam de ser ruins. Apesar de que, nesse caso, estaríamos excluindo elas novamente, coitadas. Coitadas! Eu queria dormir um pouco dessa clareza toda de pensar em ovo branco e meio borrachento. Quase que um gel exageradamente denso. Gel talvez seja coisa do passado. Ou do enrugado, que de passado-passado nem passado liso inventado. Passado liso é impossível. Vai ver por isso continuamos chamando-o de passado, pra existir uma transgressão furorística de vida. Ou de morte, em alguns casos.

Não vou conseguir deixar de registrar isso tudo.

De repente, acordei. Ou entrei no próximo sono, que seja. Conversa vai conversa vem, conversa vai-e-vem pois do contrário não haveria conversa. Me expliquei dentro de mim pra mim, noutra conversa vai-e-vem, mas não me entendi direito, pois falava meio baixo e com palavras trêmulas. Como se não bastasse, disparou um alarme na rua. De algo da rua. Algo enlouquecido por atenção. Quem inventou isso devia levar uns tapas. Ou umas palavras meio baixas e trêmulas. Daquelas bem gordinhas de tão baixas. Trêmulas perigando desmaio. Perigando por quê?

Vivo de me distrair com essas conversas.

Como eu ia dizendo, entrei em acordo ou tomei um sonífero. Talvez mais de um pelo hábito quase que hipocondríaco de sempre tomar mais de um. Um nunca me satisfaz. Um não conversa, se explica. Se explica e se contra-explica. EX PLI CA. Gostei dessa palavra. Ela é meio punhado de areia em ângulo em laguinho das dunas. Sabe aqueles laguinhos que se formam no meio das dunas?

Vou tentar outra vez contar isso tudo. Começa com o alarme disparando. Quer dizer, isso é uma grande mentira, pois o alarme dispara só alguns anos depois. Na tal conversa vai-e-vem de explicação, lembra?

Certo, tudo começa quando... esqueci que as coisas meio que não começam, melhor mudar esse termo. Tudo... tudo também não me parece bom o bastante. Nada é tudo. A gente sempre esquece alguma coisa.

Esse papo que deu manga pra pano, meio como pedra engolida em papel, tem alguns anos de desmaio. E acredita que isso ainda continua? Depois de al-guns a-nos? Eu quase não acreditei de tão tola, mas vamos lá, mais uma vez com a manga no pano.

Dessa vez estou distraída o bastante, confesso mesmo. Não foi a coisa mais natural do mundo, até porque o mundo não anda merecendo coisa muito natural. Desde quando, nos dias de hoje, o mundo é natural? E as pessoas tão aí, no meio disso tudo. E também no começo. Acho que é por isso a manga não entra em secura profunda, deve estar cheia de conservantes e acidulantes (não que eu saiba o que exatamente seja este último).

É que quando a manga era verde... oras, que metáfora idiota, quando ela ERA contava com outro tipo de pano, se é que me faço clara. Tá bom, isso de ser clara não costuma acontecer porque eu fico com os dois pés atrás (é que tenho seis pés) quando falo das coisas da minha vida. Mentira, eu não tenho seis pés, portanto vivo de estar atrás por inteira mesmo...

O fato é que eu me entregava há alguns anos. Hoje simplesmente não dá. É uma droga. Ou duas ou mais (por causa do hábito quase que hipocondríaco). Na verdade é bom que isso fique ambíguo, pois não tenho convicção se a droga era antes ou depois.

20101019

poema nomes

melissa, julieta, violeta
frida, amelie e flora
penélope, isadora
rebeca e maria antonieta

pablo, joão, valentin
martin, mathias, enzo
alícia e joaquim

emília

(maria flor)

20101018

essa dor-de-cabeiça
que não me deixa
nem amei-xa

Quanto de sono cabe numa cabeça que não tem mais espaço livre?

– Tem que empurrar o resto pra fora pra conseguir dormir.
– O problema é que tento empurrar e acabo empurrada da minha própria cabeça.
– Então fazer morrer, adormecer as coisas pra conseguir dormir junto com elas.
– É que alguns pensamentos se multiplicam enquanto vão sendo pensados. Sabe, se alimentam da própria ação que os fazem ser o que são. É como se cada vez que eu me provasse ser gente, eu me desdobrasse em duas, três, sete, dezenove... e fosse preenchendo o espaço livre do mundo.
– Isso parece ser um problema inventado, mas continue.
– Bocejei! E o bocejo se desdobra do mesmo jeito que o pensamento, quanto mais se afirma existir, mais existe em quantidade.
– Isso não parece ser inventado, não continue.

20101005

adoro:

comer danoninho de colher amarela ouvir música latina em dia de chuva almoçar aos domingos compartilhar pensamentos pequenos aleatórios escrever até a letra se tornar um rabisco rabiscar até surgir alguma palavra sentar em posição de lótus esticar os braços pra trás ao mesmo tempo em que alongo o pescoço sorrir de modo engraçado coçar o olho acordar com o cabelo bagunçado lembrar que um dia tive cabelo cor-de-rosa lavar o rosto muitas vezes ao dia descobrir palavras que rimem com agulha ou migalha ver o pudim ficar espesso esticar-me permanecer quieta por um longo tempo

20101002

– lááá no fundo eu até gosto das pessoas
– eu tbm, mas só qdo elas tão enterradas bem no fundo mesmo

20100922

usar xícara de cumbuca, escada de estante, banco de mesa, bolsas de armário, sempre achei lindas as funções secundárias

20100916

pro sustentabilismo

alguéns sempre reclamando do descuido com as plantas. alguéns que devem favores ensolarados aos pássaros amorfos. ninguéns que somem, somem, somem, etc, etc. comem, comem, comem, etc, etc. e assim vão. e vêm. e vão. não bastassem essas repetições de alguéns irritantemente de longínquas línguas de areia e patas de água salgada. por usar conchas de encontro. por usar lontras como amigas diagonais. por usar peles de ursos ou pêlos de moscas. de homens-mosca. etc. repaginar a praia em aquário de acrílico. na politicagem dos peixes. na sustentabilagem. nessa ilógica, incoerente, inconstante, saliente, etc, etc, laia.

20100913

20100910

Se a pessoa sabe muito sobre signos ela deixa de saber sobre outra coisa qualquer, uma vez que ocupa uma de suas gavetas com essa informação. A não ser, é claro, que essa pessoa seja do signo de aquário, pois, sendo assim, a informação certamente não estaria armazenada na gaveta, mas perdida em algum canto aleatório da casa, seja da própria pessoa ou de algum amigo, colega, parente, conhecido, semi-conhecido, desconhecido, etc.
Henrique estava vivendo com sua memória mais apurada do que sua imaginação e não via a hora de voltar ao anormal.
– Coração, bata antes de entrar e depois também. Grata.

20100904

Fazer dormir as coisas que acordam no berreiro em dias que devem aos domingos suas referências.

Fazer dormir essas coisas que não se acalmam no sonho, que não se despedaçam nem se aconchegam, que não entram em acordo quando acordam mas que também não discordam, que não soluçam com velocidade nem se aquietam discretamente, que não aparecem nem somem, que não vivem nem morrem, que nem pólen, que não amolecem mitocôndrias nem restituem orquidários à luz de velas, que são elas, as coisas secretas, que são belas de raiva, abelhas com surdez, moduladas, imprecisas, preciosas, parecidas e pálidas mesmo coloridas, latejantes e avenidas.
Não estar com você é o mesmo que não estar.
É ser e só.
É só.

pra Tati Plens

Pelo menos a natação é um esporte em que se fica submerso por inteiro, não nos deixa ser pela metade e, assim, as coisas podem retomar sua dimensão na vida da gente e florescer nosso olhar sobre o mundo, hidratado e cansado, mas livre de meias-intensidades.

Algumas cenas não saem da minha cabeça.

Como a vez em que nadei quilômetros com afinco, mas, mesmo assim, me afoguei no mar de gente. Como a outra em que fechei bem forte os olhares a minha volta, pois não havia mais vista que me florescesse. Como ontem que meu maior desejo era que o sol morresse. Como a chuva de hoje à tarde. Como a minha janta bem resolvida. Como as pessoas mal resolvidas. Como a minha preguiça de me expor em qualquer sentido. Como as minhas opiniões ausentes por vontade própria. Como as pessoas sob o meu olhar úmido. Como danete de sobremesa. Como sagu de sobremesa. Como sobremesa em qualquer sentido. Como dormir na diagonal por ignorar a posição rotineira. Como as memórias de qualquer coisa que passaram de coisa qualquer para cenas que não saem da minha cabeça. Como o mundo aprisionado na minha cabeça. Como o mundo de preferência mudo.

20100830

Não é porque sei que quero ser. Não é porque escrevo que quero dizer. Não é porque durmo que quero sonhar. Viver de não querer é querer o que transborda. Transbordar é permitir negações dentro do pressuposto. Negar é afirmar que algo transbordou, atingiu o limite e o ultrapassou, alcançou o chão, o mar, o céu, a nuvem, o vento e voou pra além do que se pensa, do que se cria, do que se nega, do que se entrega de bandeja ainda cru, ainda quieto e dormido, ainda pequeno, transparente, sensato, inocente e tão complexo, perplexo, composto de metáforas hiperbólicas, bruxólicas, magnólias ou margaridas.

20100827

ilógica saudade

20100826

alga ou algures


– Para você ser alguém no mundo, você deve se adaptar às culturas existentes ou absorvê-las com tal intensidade que você consiga transgredí-las etc.
– E se eu quiser ser "algo" faço o quê? Morro?
– Morro ou praia.

20100822

Pupilas pulsantes e polidas.

Anemia em sonolência, apatia e desmemória. Sangue cor de rosa vermelha com luminosidade exagerada. Sagu que desuva com leite-condensado. Salto delgado e quase transparente. Sumiço contínuo e horizontal. Momento propício para deitar sobre o ruído da geladeira. Sentimento similar ao de abrir todas as portas de todos os armários da casa. Respiração do laptop em vias mais aquecidas do que humanas. Localização enlouquecida. Desovamento do olhar sobre a almofada de cetim. Espalhafato que se pausa para se amassar até desencontrar os próprios dedos. Pupilas gustativas ou papoulas.

o que eu queria dizer era outra coisa

Acabaram de zarpar pelo menos umas 15 palavras da minha cabeça. Juro que estava tudo muito claro e foi questão de 15 minutos. Uma palavra por minuto. Um minuto por passo até o quarto. Até eu me enfiar debaixo dos edredons. 15 edredons. Mentira. Dois edredons e duas cobertas, intercalados. Azul, verde, vermelho e roxo. De dentro pra fora, assim como o meu frio.

20100818

– E você, como designer, o que pensa?
– Em primeiro lugar eu odeio.
– Odeia o quê?
– Calma.
– Odeia calma?
– É, poderia ser. Mas não foi isso que eu quis dizer.
– Você quis dizer que odeia o design?
– Também poderia ser.
– Então você odeia o design... da calma?
– O que eu disse é que odeio antes de pensar!
– Ah, então foi isso que você quis dizer...
– Não, isso não foi o que eu quis dizer, isso foi o que eu disse.
– Mas, então, se você odeia antes de pensar, você já pensa de modo contaminado...
– Mais ou menos, na verdade eu odeio, penso e o desdobramento depende da relação entre como as duas coisas acontecem.
– O que você quer dizer com isso?
– Oras, você nunca saberá, pois você só poderá atingir o que eu disse, nunca o que eu quis dizer, compreende?
– Eu não posso imaginar?
– Pode.
– Então eu posso atingir o que você quis dizer.
– Você pode atingir as alternativas possíveis-pensáveis dentro do seu repertório de informações e experiências sobre o que eu quis dizer. Mas o que eu quis dizer, não com isso, sobre querer dizer, só dentro da minha cabeça. Sendo que lá, às vezes, nem mesmo eu alcanço.
– Como você pode dizer sem saber o que quer dizer?
– Em primeiro lugar eu odeio.

Batedeira elétrica.

Fome por uma extremidade do corpo. O corpo inteiro coberto de pêlos escuros. Asco humano. Jantar do primeiro cão nascente. Um pouco de proteína e vitamina B12. Morte imediata por ser repartido ao meio. Viagem sonâmbula ao centro do corpo. Velocidade mandibular. Contaminação do substrato. Pano que já passou de sua fase de glamour. Absorção de micro e macro-poças. Partículas de sobremesa. Barulho insuportável que adquiriu seu espaço na paisagem cotidiana. Agito dentro da cabeça.

20100813

Antes os berros e os contra-berros.

Enfim a situação explodia. Mas, ao contrário do que era esperado, movimentou-se tranquilamente sobre as vias do acontecimento. E, apesar das longínquas dimensões que tomou da vida de ambos, adormeceu num pulo por dentro dos dois corpos. Como areia da praia engarrafada pro santo. A questão é que ambos sumiram da própria explosão interna como cães que fogem dos fogos-de-artifício nas viradas de ano. Só que os fogos estavam por dentro e a única coisa que virava em artifício era a lábia inacreditável e natural de ignorar o assunto. Ou de lidar tão silenciosamente com ele que o tornava inviável fisiologicamente. Como algo inexistente pro santo. Mesmo assim, era inelutável qualquer tentativa de realidade. Não que deva ser compreensível, em todo tempo prezou-se injustamente o verso. Talvez por isso, até hoje, nem sequer alcanço a minha fala sobre ele.

Certa vez me disseram para não falar com estranhos.

Eis que não podia nem mais conversar comigo mesma.

20100812

Casa coberta de telhas.

Pessoas fazendo mímica em volta da maior mesa. Cães deitados no chão da sala. Duas pessoas subindo as escadas. Lembranças de infância da janela pra fora. Uma pessoa descendo as escadas. Outra pessoa descendo as escadas. Uma pessoa repetida. Duas pessoas subindo as escadas. Duas pessoas saindo pela janela das lembranças. Um gato. Diálogo intercalado de miados. Punhado de timidez. Situação suspeita. Desejos duplicados e contrastantes. Um beijo de um lado e um vômito de outro. Desdobramento confortável e surpreendente. Conversa noturna e pausada. Coleção de toques. Receio de cair o dia. Necessidade de engatinhar para não morrer ou quase. Algumas telhas transbordadas. Por dentro da janela. Por dentro do quarto. Por dentro da noite.

20100811

Realidade subestimável em polímero.

Sete senhas esperando pelo jantar. Toque enjoativo do celular do vizinho. Notícia inovadora e de cunho pessoal. Percepção através da janela. Goteira pausadamente apaixonada. Treze batidas fortes na porta dos fundos. Amor à décima quarta batida. Molho vermelho temperado com erva-doce. Goles volumosos e ansiosos. Esquecimento à prova de balas. Diabetes sentimentais. Ausência de distâncias longitudinais. Concorrência inusitada à meia-noite. O cúmulo do desafio. Parâmetro desfiado sobre a sopa. Realidade subestimável em polímero. Mamão lanhado descansando na lembrança de 25 de abril. Sorrisos seguidos e por motivo justo. Loucura cúbica. Margaridas murchas e tranquilas. Alguém que atende por Pedro ou Alice. Larica de alface com limão e açúcar. Pessoa aflita para chegar ao banheiro. Colheita de falas sinistras absurdamente práticas, curtas e colaborativas. Banheiro contaminado com sangue fosforescente, magenta e perfumado. Estado inusitado de esgoto. Estômago embrulhado para presente. Noção fora de época. Reprovação em matéria ebulida, sem ácaros e desimportante. Dinheiro que não vale. Interruptor consciente de sua feiúra. Qualquer coisa mal-cheirosa deitada no sofá de três lugares. Combinação imprópria logo na primeira lacuna. Amantes convictos desesperados por sentimento morno. Lógica de encher três potes de diferentes tamanhos com o mesmo sal marinho. Lençol desmaiado e faminto sobre a cama de casal. Hibernação das salamandras.

20100808

– O que significa isto?
– Tem que significar?
– Onde estão as minhas gotas de vinil?
– Pingaram, mas não significaram mesmo assim.
– Pingaram cola, eu vi anteontem, mas isto não quer dizer.
– E não disse.

20100807

Pensamentos suicidas inevitáveis e frequentes.

Telefonema por engano em pensão gringa. Doença duradoura, amarelada e silenciosa. Afago despretensioso às duas horas da tarde. Desespero em surpresa das memórias farpadas. Farinha de mandioca misturada em pudim de baunilha. Capuccino com chocolate em falta na dor de cabeça. Luz e dúvida amalgamadas. Parede inchada de tanto chorar a falta de qualidade dos sentimentos. Areia fofa nos ouvidos. Cinco extremidades ressecadas por conta dos toques humanos. Chutes e socos contra a parede durante o banho quente e relaxante. Olhar intenso e longínquo do macaco de pelúcia com coração simétrico e centralizado no peito. Leitura insignificante e ligeiramente adormecida. Conversas com ex-namorados sob pressão de amor vintage. Reavaliação da vida entre aspas. Conceitos volumosos e entediantes. Vontade hipopótimica de sumir enquanto dorme. Premissa de saudade de memória inventada. Filhos adotados por necessidade de todos. Efeito reduzido por complicação pálida, azeda e permanente. Antes da salada de frutas cítricas e avermelhadas. Menino que não morre nem vive. Lembrança que plange enquanto a casa é organizada nos mínimos detalhes. Segmentos flácidos e inesperados de rupturas. Vertiginosa desatenção em volta dos ombros. Latido lastimável de ser humano incógnito. Palavra solta engolida por pássaro comprido e magro. Céu fechado para balanço.

Já na primeira semana.

Como se algo tivesse que evaporar, derreter, ser rejeitado ou transformado para que houvesse alguma continuação dessa coisa que ainda permanece travada em pensamento, mesmo depois dessa primeira semana, desse primeiro ato em que me picotei junto, ao passar a tesoura, sem pensar, em todos os fios que apareciam, que pulsavam tanto quanto minha compulsidade de dissolver matéria para conseguir respirar de novo.

Com o lixeiro transbordando desfio, com a cabeça desfiada também nos pensamentos ausentes, entristeci como quem perde algo precioso, mesmo que fútil até hoje.

A imagem, tão irreconhecível, me deixou ligeiramente tímida de mim mesma: sumi. Era o que eu queria inconscientemente, pode ser. Sumir de mim. Sumim. Até o silêncio me tomou de um jeito diferente, me alcançou em todas as partes do corpo e também nas partes onde meu corpo alcançava.

Picotada, desmaiada e de aspecto duvidoso. Em pensar que a dúvida me preenchia com desleixo ruidoso há alguns poucos momentos. Silenciei, pois não conseguia fazer nada a não ser.

Meus olhos continuam ardentes, com os cantos avermelhados e com o restante opaco. Picotei também o que estava tentando ver, na ânsia de desmanchar o que nunca foi manchado, pois na dúvida a certeza de não ser falha. Malha então outra coisa.

Na comida desconto meu desprezo. Prezo meu canto de não ser feliz enquanto duro. Amoleço. Como lesma encantada, jogada daqui pra fora, refeita em mim, em picote de cabelo, nessa compulsividade que não pára, que não rara.

Até o céu.

20100806

prazeres relacionados a enfermidades:

1 depois do espirro
2 efeito de três neusaldinas + uma maracujina
3 agulha saindo da pele
4 dormir dopada
5 antes do desmaio
6 felicidade súbita após internação
7 vômito
8 sopa quente na dor de garganta
9 danete depois da extração dos cisos
10 dormir o dia inteiro sem peso na consciência
11 perceber a desimportância do dinheiro
12 morrer um pouquinho

20100804

coisa qualquer me faz querer qualquer coisa que não seja coisa qualquer

20100725

conclusões conformadas/acomodadas ao pessimismo:

"homens................................................."
"pessoas................................................."
"impressoras........................................."

20100720

Chorar é escorrer chá pelos olhos.
Sigo chorando erva-cidreira com mel.

20100707

Ouço barulhos durante a noite, ouço noite durante os barulhos.

20100705

Se tristeza quisesse dizer alguma coisa
pelo menos eu teria alguém pra conversar.

partida ainda

eu queria o contexto antigo moldado no novo, se moldando num ovo, na repetição de palavras não repetidas ainda porque voltaram sem nem terem sido ditas. reconstruir essa casca de pó em pó, de cálcio em cálcio, de ócio em ócio. o que não me refiro é andar pra trás, entrar numa máquina e ser engolida pelo tempo, fazer dele perdido, banido, recusado, falido. nem esquecer sequer, nem bem nem mal, tudo bem odiar o carnaval, olhar pro outono como se ele fosse melhor que os outros, melhor até que dormir, que sentir, que estar em gerúndio até partir. partir o olhar ao meio e cada vez menos, e cada vez mais, e cada vez tudo de novo, e caminhar. correr e sorrir e chover. e amora e amor e. e. e. e. e. e. e. e. e. até então ainda estou partida, me espero ansiosa aqui dentro.
muitos anos passam em poucos
poucos anos passam aos poucos
muitos anos nunca passam

20100627

O desejo foi e voltou desejando.

20100626

E aí vem alguém e me pergunta: – Como anda o coração?

Oras, como eu poderia saber como ele anda se não sei nem por onde?

– Não sei, mas caso o encontres, diga que estou ocupada.
– Isso tem a ver com aquela briga antiga de vocês?
– Acho que sim, não nos damos muito bem desde então, ele não me compreende e eu não o compreendo. Aliás, não sei por que insisto nessa convivência há tanto tempo.
– Amor pelo amor.
– Eu não amo mais, muito menos o amor.
– Duvido.
– Duvidaria também se conseguisse. Eu sinto outras coisas e isso nada tem a ver com o coração. A questão é que ele desaparece e sem ele eu desisto.
– Desiste do quê?
– Oras, do que estamos falando!
– Eu esqueci, me desculpe. Mas por que não persistes na procura e te preenches com ela?
– Me parece meio patético...
– A partir do momento que conseguires de fato te comunicar com ele, saberás por onde ele anda, por que e como. E, numa dessas, consegues até mesmo amá-lo, assim como ele te ama.
– Ele me ama? Pois achei que me odiasse pela maneira de como me trata.
– Vou ser sincero, encontrei-o perto da praça da sorveteria choramingando por não conseguir conviver contigo.
– Jura?
– Mentira, ele só estava tomando sorvete.
– Mas não era sorvete com cor estranha, era?
– Ah, tinha uma cor meio misturada de goiaba com banana com umas mesclas cor-de-kiwi...
– Não disse, esse coração é louco! E depois eu que tenho que cuidar dos problemas que ele arranja. Aposto como vai voltar todo lambuzado querendo me enfiar essas cores estranhas goela abaixo!
– Dá uma chance pra ele, coitado, ele bem que se esforça. Melhor do que ficar aí toda gelada.
– Pelo menos sou gelada e transparente.

[Pequena apatia do diálogo.]

– E ele não se esforça coisa nenhuma, da última vez me trouxe uma abóborada que só vendo, a anterior foi um grande pepino e por aí vai.

[Eu não podia comentar que existiam as exceções das duas primeiras vezes, nas quais ele ainda tinha alguma noção e a gente dialogava numa boa, pois senão ia acabar dando uma brecha pra algum comentário deslizante.]

– Não vejo problemas em abóboras e pepinos.
– A verdade é que gosto bastante de pepino e até de abóbora, mas sabe quando não é isso que satisfaz o desejo? Então.
– Como assim?
– Suspeito desejar o que não existe ou o que vive do outro lado do mundo, algo assim, o que daria na mesma, de incerta forma...
– Você é louca, seu coração lá tomando um baita sorvete colorido na praça e você aqui querendo o outro lado do mundo!
– Sorvete colorido não me seduz, não adianta insistir.

Como eu desconfiava, bastou uma pausa pro coração chegar do passeio todo lambuzado, andar pela casa sujando tudo e depois se deitar na cama, contaminando a minha coberta preferida com aquele sorvete de cor estranha. E ainda teve a ousadia de me perguntar:

– Fez faxina na casa?

20100625

estrela, anel de brita, memória de cereja

Acendia a primeira estrela que era pra poder pensar durante a noite. O cinzeiro era um anel feito de brita, pedra de um brilho particular, e a fumaça eram memórias translúcidas cor-de-cereja. Acendia, então, a segunda estrela, mas já era quase de manhã. As memórias já estavam escassas, só nas sementes, e o brilho da brita transbordava um grito tão fosco que parecia ter passado por cinco dias seguidos. Talvez tivesse e, no lugar da segunda estrela, eu acendia a vigésima ou a trigésima. Enchia e esvaziava a brita de cor-de-cereja. Transbordava fosco e cansativo. Mas acender uma estrela após a outra ainda me fascinava de maneira que eu não conseguia poupar nem britas nem cerejas. Eu devia olhar para os lados e perceber que os dias passavam mais depressa quando eu estava entretida com as memórias. Mas não, a única coisa que preenchia meu pensamento era o fato de estar entre uma estrela e outra e, enquanto as estrelas eram consumidas, eu ia esquecendo da última estrela, ia jogando sua cor-de-cereja no caminho até acender a próxima e jogar novamente sua cor no caminho. O caminho era um amontoado de estrelas sucumbidas em memórias roídas até as sementes. E duplamente roídas por quem passasse e fosse seduzido como eu fui um dia. A verdade é que ando atrás de algumas memórias que ainda não chegaram na semente, porque desconfio que o mundo é esse anel de brita transbordado de fosco, cansativo.
Nunca consegui me dar muito bem comigo,
mas acho que não passa de um exagero antigo,
pois sempre houve coisa boa qualquer
como atacar brigadeiro de colher.
Mesmo que desse espinha até no umbigo.

20100624

preciso de chá de dessumiço

hoje acordei pra não me encontrar, já recortei vinil e já comi até parar, mas qualquer coisa que me vem na cabeça é sobre nada, é sobre mar, e o relatório do trabalho que espere, pois que posso fazer se tomei chá de sumiço de mim mesma e não dessumo do serviço?

20100622

quase-quase-fala

Estou muito quase-falante hoje, mais que cito, mais que limericko, mais que converso, mais que outra coisa.

Stolf é bagunça, bem que fui avisada no batizado, fui batavisada.

A minha cabeça é uma bagunça de comida com trabalho, medo de barata, de assalto, frio e chuva, vento em popa, sopro em sopa, bagunça atleta que não para quieta, é como sabão em pó comprimido em canudos listrados lado-a-lado em cima da almofada, reclamação de sonho infiltrado em lata de milho em conserva, bagunça conservadora de pó e de não-podes, e de poderias quem sabe noutra via da bagunça, esperta que só ela entende o rizoma do dia, todo em fatia, bolo de cabelo amassado formando o tal do fora, o tal múltiplo pensamento, as tais rupturas o tempo inteiro ligadas a outras rupturas, esse monte de devir da vida, de levar as coisas pra lá e pra cá como se lugar não houvesse pra parar de soluçar.

parlava a palavra palarva

Não meço palavras e não digo coisa exata,
pois a escritura nem sempre é sensata.
Palavra é maleável como lesma,
não sendo sempre a mesma,
palavra é um misto, dá em escrita vira-lata.

20100620

As coisas podem ser o que a palavra permitir
e a palavra pode ser o que as coisas permitirem.

desejo e nonsense

Precisa-se de um vestido para uma festa, pois o guarda-roupa está vazio de vestidos para a específica festa. Portanto, caminha-se até uma loja de sapatos e compra-se o mais bonito deles. Resolvido o problema: o guarda-roupa não está mais ausente de vestidos, uma vez que eles subsistem o sapato que foi comprado.

o céu é uma caramboleira

carambolas são estrelas tridimensionais

20100619

um incomodo seria estar no fora?

enxergo aí um paradoxo.

chuva, chave e wc

Num lapso de tranquilidade por distração do trabalho (coisa periódica frequente) acreditei piamente que a chuva fosse uma goteira inquieta no banheiro. Lógico que a coisa (a distração com o trabalho ou a chuva-goteira) começou a se tornar mais intensa, foi que desconfiei que eu não poderia tomar banho de chuva nesse frio, já que a chuva não é elétrica como o chuveiro. (Se o chuveiro chove chuva, o chaveiro chove chave? Por isso um molho de chaves!) Se chovessem raios, pelo menos (voltando ao chuveiro). Engraçado que o chuveiro é elétrico, é colecionador de pequenos raios, mas não parte a gente numa trovoada particular. E quando chove a chuva, coisa esquisita, chove em todo o lugar. O mundo não tem outro cômodo que não o banheiro?

o livro

é livre

20100616

saltar no abismo da própria cabeça

Abismada, corrompida, dissimulada, mal-vestida, louca de pedra, de palavra, ausente de sono, de saída, sacudida que melhora a vida, um dia depois, um dia antes, a noite, a lasca de lua que parece unha, que parece lenta na rua, na cabeça da gente, no sonho perdido na fronha, no edredom, na vontade de pular, de correr, de saltar e morrer enquanto sonha.

20100615

(sons de um sono sonso, não nosso)

sonosonosonosnsonsosnosnsonsosnosnosnosnsonsosnosnsonsosnosnosnsonsosnosnsonsossonosonosonosnsonsosnosnsonsosnosnosnosnsonsosnosnsonsosnosnosnsonsosnosnsonsossonosonosonosnsonsosnosnsonsosnosnosnosnsonsosnosnsonsosnosnosnsonsosnosnsonsos

vale deixar claro:

Quando eu comecei a escrever os "limericks" a minha única preocupação estava no nonsense (nem sempre alcançado) e nas próprias rimas, mas soube há um tempo por aí (não lembro onde) que um poema nonsense tem outra regra, a de que a terceira e a quarta linha devem ser menores que as demais, que variam entre 7 e 12 sílabas. Portanto, eu não escrevia/escrevo limericks, mas sim quase-limericks!

20100613

Situações possíveis de escorrer, de não-escorrer, de sentir e de não-sentir:

1 estar escorrendo e sentir-se escorrendo, como chorar bonito ou chorar alto
2 estar escorrendo e não sentir-se escorrendo, como num esconderijo subconsciente de si mesma
3 não estar escorrendo mas sentir-se escorrendo, numa ânsia/invenção/proposição de sentir
4 não estar escorrendo nem sentir-se escorrendo, como as máquinas que esbarramos pelos shoppings, pelas imobiliárias ou pelas universidades (nem preciso citar os políticos ou os matadores de foca)

(escrito há um ano e dois dias em resposta à Tati Plens. estou num momento de relembranças, na situação terceira)

20100606

Está escuro.

Estou sentada sobre uma pedra e sob o sereno.

20100605

esgotar

Acordei pra não saber, dormi pra não saber. E, numa regressão de fatos, há dois anos estou não sabendo todos os dias. Eu sei que há anos eu já esgotei o que não deve ser passageiro, por isso hoje tudo é paisagem. As paisagens são destruídas o tempo inteiro e se transformam e se deformam e nada. O que não deve ser passageiro me faz alguma falta passageira. Pelo motivo de não ter passado ainda, mesmo depois de tanta paisagem sobre paisagem. Permaneço mal humorada, mas queria apenas permanecer quieta. Tenho que me permitir na prática, minha amiga sublinhou há algumas horas. Me permitir? Estou enjoada, quero vomitar. Era mentira. A verdade é que isso tudo é muito estranho. Frequentemente acontece algo que me tira da minha vida e, então, lá vou tentar me achar no meio da confusão. Quando eu afirmo meu mau-humor, ele mais tem a ver com algum tipo de preguiça, que não se refere a uma preguiça física, evidentemente. É um enjôo das coisas, como eu disse antes (a mentira era outra coisa). Será que é mesmo por aqui que as coisas vão ficar? Repetidas vezes a mesma situação. As pessoas são loucas mesmo. Se eu fosse uma minhoca seria natural me permitir ser transformada e deformada junto das paisagens, e destruída também. Mas sinto que eu já esgotei as goteiras do desgosto.

exercício de despensamento

clarear até à cegueira ou criar uma preocupação fictícia que sobrepõe o resto todo

Nem adianta tentar.

Deixar-te. Eu tenho medo do ótimo. Trovão sob trovão. As coisas trocam de lugar. Umas com as outras. Gosto de cigarro. Apagado. Eu queria pensar tão baixo que nem eu. Conseguisse ouvir, esquecer. Não há. Como dormir pra dentro do outro. Pensamento. Escapar do que eu acho.

Não vou achar. Nem perder.
desobedeço-me constantemente

20100604

vida adentro vida afora

frustrante é dormir e sonhar a noite inteira com o dia seguinte em tempo que parece real e depois ter que acordar e viver um déjà vu de 24horas. também é acordar achando que está indo dormir. esses dias aconteceu de eu estar num sonho, na maior realidade do mundo, e viver uma garota que participava de uma peça de teatro na qual deveria expressar-se em francês. o porém é que ela estava muito frustrada com a sua memória de peixe que, justamente por viver uma vida acordada e outra dormindo, a fez esquecer de todos ensaios da peça (das falas e gestos). por isso ela estragou com o grande evento final do sonho e acordou depois de desejar boa sorte aos colegas de trabalho que viajariam dali alguns minutos até uma ilha distante. o que ela não sabia é que eles estavam fugindo das loucuras dela. e o que eles não sabiam é que ela não via a hora de acordar para a vida seguinte, onde ela tomaria tanto café que não conseguiria mais fechar os olhos e olhar pra dentro de si mesma.

humor de ônibus que para em todas as rodoviárias do caminho

deu tudo certo por lá na medida em que a chuva permitia: costurei um caderno e ganhei um livro, ambos lindíssimos. minhas pernas estão mais inquietas do que nunca e no ônibus minhas mãos ficaram dormentes muitas vezes seguidas. vou terminar de ver delicatessen (ele ficou aberto na minha cabeça por esses dois dias) e dormir.

20100530

às vezes eu minto
às vezes eu menta
às vezes eu muito

20100527

bem que eu queria desgrudar um pouco de mim

eia, cabeça de aquário

Algumas vezes penso que a minha falta de concentração é culpa do meu signo. Outras vezes penso que culpá-lo pela minha falta de concentração é que é culpa dele. Pelo menos sou eu que ainda penso alguma coisa, não o meu signo....................

SOCOORRO

TEM UMA PREGUIÇA GIGANTESCA ME ATACANDO!
Mas o grande problema de hoje é que ela está sendo mais forte que eu, essa Preguiça Gigante que apareceu por aqui neste dia entediante de tão calmo, vazio de tão cheio, gelado de tão... gelado (é, foi gelado mesmo). Ela já me engoliu quase por inteira se não fosse pelo quase que, de tão mínimo, é o único fator que ainda me mantém acordada por esta noite que me deixa gélida e pálida (por estar gélida tenho ainda mais preguiça - será que fui eu que engoli a preguiça e não o contrário? - de ir até a cozinha apanhar algo na geladeira que, por sua vez, é mais gélida que eu, a noite e o dia juntos). Se depender da preguiça que eu estou engolindo (pois é, as coisas se inverteram) no dia-a-dia, junto com os projetos e reuniões, virarei uma baleia. Baleia devoradora de Preguiças! (Tadinhas, eu que não queria estar no lugar delas/dentro de mim.)

20100525

(sic)/soluço

se soluços são mesmo começos de soluções,
os melhores designers são os que mais soluçam!

20100523

Desliberdade:

pela liberdade de conseguir se prender em algo/alguém.

abafo

Queria conseguir desabafar com alguém, mas sei que ia receber palpites do concreto... Como eu explicaria que o concreto seria a minha própria fala sobre o assunto?

pra julie, do donde:

às vezes eu encontro amor nos vestidos absurdamente trabalhados e nas melissas mais lindas, mas isso não quer dizer nada sobre domingo, confesso
mandíbula sonâmbula perambula

O passado me continua.

Aqueço a cabeça por dentro.
Enxergo fria a vida.
Esqueço de ser contínua.

20100517

todo junho eu des-maio
tem junho que dura o ano inteiro
tem junho até em maio

A madrugada está aberta em mim.

Os kero-keros gritam enlouquecidos.
"Se um dia" formou montanha na minha cabeça.
As almofadas dormem lindamente.

20100516

- sílaba?
- sabe-se lá...
- pílula?
- sabe-se lá...
- ali.

20100515

deixa eu te pedir
pra deixar só um pouco
meu pensamento vazio
é que eu preciso pensar
minhas próximas invenções
que estão mais distantes
que você
por que
num mundo tão grande
vieste te aproximar
logo de mim?
acordei com vontade de morar num lugar bem distante,
de sentir saudade do concreto
e das sílabas da palavra afeto

isso que no sonho só lembro de pegar muita chuva,
de até ter que dormir sob ela
sem coberta nem flanela

20100513

digitar paisagem




~~~~~~~~~~~~~~~~~~
(mar)


__________________
(horizonte)



.......................................
(fila vista de cima à distância)



"""""""""""""""""""""""""""""""""""
(chuva)



''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''''
(chuva densa)



´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´´
(chuva com vento para a esquerda)



```````````````````````
(chuva com vento para a direita)



^^^^^^^^^^^^^^^^^
(condomínio horizontal)



##################
(cerca)



************************
(cerca feminina)



(((((((((((((((((((((((((
(fio enrolado do telefone fixo iluminado pela direita)



)))))))))))))))))))))))))
(fio enrolado do telefone fixo iluminado pela esquerda)



¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬
(fileira de tijolos iluminados pela esquerda)



==================
(faixa dupla de trânsito picotada)



@@@@@@@@@@@@
(um fio de cabelo encaracolado ou caracóis dentro de casa)



88888888888888888888
(reunião de bonecos de neve sem nariz de cenoura)



iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
(formigas sobre centopéia)



wwwwwwwwwwwwwww
(eletrocardiograma estável)



oooooooooooooooooooo
(laranjas sem cabinho)



OOOOOOOOOOOOOOO
(melancias)


20100510

entristecer na terça

suspeito o caminho
em que a coisa anda
pra mover o moinho
pra abraçar um panda
e dançar ao acaso
a melhor banda

mas quando não anda
nem vaga ou suspira
tem cor de lavanda
e já espero a mentira
de uma coisa ou outra
que é dita ou respira

e não é de coisa morta
essa tristonha apatia
que nunca conforta
acho que é a anemia
de coisa viva na vida
que aos poucos mata, sabia?
Queria conseguir um dia voltar a confiar nas pessoas
como era lá quando eu não conhecia ninguém no mundo
e a convivência se limitava a vida com suas coisas boas,
não como acontece agora nesse tumulto, poço sem fundo.

TEXTO AOS BERROS

DIA ANGUSTIADO
NOITE DE ENXAQUECA
PENSAMENTO PARADO
RAIVA DE VINHETA

GRANDE MARASMO
VONTADE DE SUMIR
NUM DIA PASMO
SUCUMBIR

ESTAR DEPOIS DO DEPOIS
CANSEI DE GRITAR
VOU CONTAR ATÉ DOIS
E PARAR
odeio perdas/adoro pedras

20100509

(não só voar)

tem gente que fala "vou pousar aí".
tem gente que fala "vou dormir aí".
tem gente que acha que é pássaro.
tem gente que simplesmente é.

(sobrevoar)
se quem tem fada não tem alma, tem almofada....
e alma de almofada é feita de espuma.....................
e espuma é matéria de nuvem......................

............quem tem fada tem alma de nuvem?

20100506

planificações

Acabei de desenhar e cortar cinco diferentes planificações,
sendo que todas elas montam um só tipo de caixa,
por isso se eu morresse hoje de pressão baixa,
pelo menos tive uma noite bonita de micro-sensações
em que montei e desmontei caixinhas, não caixões.

20100502

ou ao ar

submeter-se é se meter por baixo: nadar é submeter-se à água, morrer é submeter-se à terra.

Continuei o dia com cara de choro, com um sorriso de comédia romântica e com um café gritando na minha cabeça em som de burburinho.

Hoje eu ouvi meu café enquanto assistia uma comédia romântica com cara de domingo. Porque deve-se concordar que domingos e comédias românticas tem uma relação estreitíssima. Isso quando não se sobrepõem sendo praticamente inseparáveis. Aliás, assistir comédias românticas em dias de semana é querer transformar os dias em domingo. Imagine uma semana feita só de domingos!? (Sempre choro aos domingos, nem que seja só por dentro.) Mas eu ouvi mesmo meu café, até me assustei a princípio. Era um burburinho, parecia que eu estava com o mp3 player ligado com os fones pendurados no pescoço. Chequei se o mp3 player estava por perto e ligado, mas nada. Aí resolvi continuar a beber o café e o burburinho ali, no meu ouvido. (Ou pendurado no meu pescoço.) Não, não, descobri que o burburinho vinha da xícara branca. (Pelo menos não eram os fones que estavam na xícara branca, num chá de fones de ouvido.) Fiquei por um tempo ouvindo o café, mas ainda estava desconfiada que o burburinho vinha mesmo do café, porque eu estava assistindo o filme, não estava tão silencioso assim para que o ouvisse. A não ser que o café estivesse aos berros dentro da xícara. Acho que foi isso que aconteceu. O café devia estar desesperado. Só não consegui compreender pelo quê. Por que um café se desesperaria num domingo? Será que ele chorava junto comigo? Foi que o bebi bem rápido com a pretensão de que ele se calasse. Ou gritasse só por dentro pra não aborrecer o domingo inteiro. Fiquei com uma pontinha de dor de cabeça, só pode ter sido ele desabafando por dentro de mim.

20100429

20100428

Uma montanha de coisas nunca sai da beira, nunca cai com tudo.

Estou caminhando lentamente porque estou à beira desistir de vez da coisa viva, que tanto caminha e nunca cai com tudo. Bebo açúcar com café, isso pra ter noção de que estou desistindo mesmo dessa coisa toda, até do café e da beirada da xícara. Confesso que sempre bebi açúcar com café, mas julguei dramático-importante colocar que mesmo que isso nada tenha a ver, acontece e, por isso, pode ser dito em relação. Talvez seja um agravante do caminhar, porque suspeito que há muito tempo quase-desisto. Acho que eu me apóio demais nos quases. Mas em relação ao café: quanto mais açúcar no café, menos café e menos espaço na xícara (até que a beira forme um plano com o açúcar). Se o açúcar for movediço vai ser quase um desafio continuar na beira,

20100419

Aproveitar o rec(h)eio.

20100416

quer dizer,

anna: tô meio blé, não repara
maika: o que é blé?
anna: o contrário de èlp, em termos

20100407

enquanto meu olhar descansa, minhas pálpebras trabalham no sono pesado. e hoje elas estão querendo começar antes o expediente (são loucas).

20100329

o sol é só.

20100315

outracoisa

se o quasefala parar não significa propriamente que ele tenha ficado mudo de pensamentos, mas de repente que o mundo dos pensamentos tenha resolvido enfim falar. contudo, pode ser que as quasefalas não se matem em falas nem matem pensamentos, mas com simples quasefala tenham se permitido agora mudar de mundo. (ou mudar o mundo/deixar o mundo mudo)

20100310

meu céUSeu mel

20100307

pra tati

(então a rigidez é feita de rachaduras acostumadas?)

20100304

(a perda é uma paixão às avessas,
já do amor é feita a saudade)

o amor e a morte

amo-te
amo(r)te

a mor(te)
amor-te
PAZ
PÉS
PUS

20100303

Faz frio pelo menos?

Nem te conheço e já te conheço, a minha cabeça deve ser como um mini-mundo pra morar.

O verão é enxaqueca e o inverno cachoeira, quando venta é porque pensei e não falei. O mar só enche quando tenho gripe e o ar só vence quando tô sem crise. Se chove é porque chorei pra dentro, se chorei pra fora é verão sem vento.

Te guardo na minha cabeça e na tentativa de te ver tenho soluços, porque o soluço é o começo da solução, devo começar a tossir em breve.

pra poesia

p o e s i a p o e m i a
b o e m i a b o e s i a

!?

meio medrosa tentei medir meus medos bobos, mas eles são medonhos e sem medidas mesmo. molhei meu rosto e arrastei meu molho, malhei meu olho e arranquei meu alho. moraria na moradia de maria caso maria fosse uma só. misturar os sentimentos embaralha os pensamentos:
- eu te amo! quem és tu?

20100302

tereza triste

t e r i s t e r e z a
t e r e z a t e r i s
t e r i s t e r e z a
t e r e z a t e r i s
t e r i s t e r e z a

20100130

gente que só deixa

tem gente que me deixa triste só por existir
tem gente que me deixa triste
tem gente que me deixa só

Louca-sã,

Te dedico um suricate,
cheio de riso e em pézinho,
pegando ônibus pra ir a praia
encontrar a gente no solzinho.

Poema não põe mesa,
vai ver até hoje por isso
comi sentada no sofá
e nem tomei chá de sumiço.

Fungo não enxerga felicidade em olhos alheios nem abraça muitíssimo forte.

Ainda não desvendei o que aproxima tanto a enxaqueca da minha sensação de felicidade, aquela que quase chega a névoa. Sendo que névoa é o sentimento, não o acontecimento. O que acontece é fosforescente e latejante.

São alguns fatos: a enxaqueca se esvai quando eu relaxo tanto que esqueço que ela estava ali; a enxaqueca se esvai quando a vomito do meu corpo, no caso dela estar tão latejante quanto eu; a enxaqueca se esvai quando puxo cuidadosamente o fio em que ela nasceu de dentro da minha cabeça para fora; ou ela simplesmente morre por conta própria, me deixando um pouco tonta, pálida e suscetível a desmaio.

A enxaqueca enxerga o que eu sinto quando estou muito feliz. Deve ser por isso que dói tanto. Ela consegue enxergar uma sensação muito forte através dos meus olhos. E isso, entendo que seja a minha relação mais próxima com ela. Penso que pode ser que ela seja realmente algo vivo, com coração, respiração e planos. Algo como um parasita que só cresce com choros, luzes, sons ou cheiros. Mesmo que sejam bons, tenho que lembrar. Amor e carinho a espantam de tal maneira que fico muitíssimo curiosa dela me fazer enxergar a sensação de felicidade!

O esquisito é que quando eu vejo a felicidade ela aparece, mas se eu resolvo chorar de tristeza, ela dói muito mais, como se choro fosse o alimento dela. Quer dizer que ela nasce, seja lá de que maneira for, e me faz ver o que sinto quando estou muito feliz. Mas se acaso eu chorar de tristeza, ela é alimentada e cresce rapidamente. O que ela quer de mim, afinal? Alegria ou tristeza? Ela pode até nascer com tensão ou irritação, mas, não que eu me lembre, ela nasce com tristeza. Só cresce, como eu disse. Ninguém nasce de alimento, não é mesmo? Só fungo. Uma coisa, então, é certa: a enxaqueca não é um fungo.

Pensei outra coisa: possivelmente a enxaqueca não tem olhos, já que ela aparece pra ver a felicidade pelos meus! Mas ainda encasqueto porque ela vê a minha felicidade. Será que a felicidade da enxaqueca é a mesma que a minha? Mas por que dói, então? Talvez ela não veja a minha felicidade, talvez seja mesmo a dela, porque dói. Ou ela intensifica tanto a felicidade que dói, como aquelas pessoas que de tão forte que abraçam, esmagam a gente. Talvez ela esteja só me abraçando muitíssimo forte.

Lembrei que ela raramente nasce quando estou muito feliz, mas de repente me faz ver a minha felicidade. Talvez seja esse "choque", do motivo que a faz nascer com a felicidade intensa que ela me faz ver, que dói.

O pior é que não sei como lidar com ela, só o vômito. Ou o vômito é uma espécie de super herói e tira ela de mim aos gostos ruins, ou ele é a própria enxaqueca, amarga e incansável. Geralmente eu choro quando eu vomito, mas quando eu vomito, a enxaqueca não cresce. Talvez o vômito seja o lado doce da enxaqueca, mesmo amarga.

Tenho que dizer que ela provavelmente seja a companhia mais paradoxal da minha vida, a que eu quero mais distante de mim possível, mas a que me faz enxergar como a vida é feliz sem ela. Mesmo que ela enxergue por mim a minha felicidade traduzida, enquanto dói.

20100122

cansei de ti

descansei em ti

20100118

2h10 parte um

Engraçado que no momento menos propício a hora marcada é 2h10. Seja da tarde, seja da manhã: é sempre 2h10. Talvez eu ainda explique o que isso significa, agora só estou me lembrando que 2h10 não é a melhor hora para ver o relógio nesses momentos específicos.

20100117

Ficar debruçado sobre a realidade é a existência das coisas?

Pode ser que olhar confortavelmente a realidade até mesmo faça enxergar os sonhos ali existindo, em frente ao próprio nariz, justamente na realidade. Enxergar seus próprios olhos no mundo. Seu próprio mundo enxergar e enxergar seu mundo próprio. Talvez não.

feito e dito nada

confesso que tem sido estranho pensar
no que foi feito
no que foi dito
no que foi nada

o que é secretíssimo é o que foi nada
o que foi dito
o que foi feito
o que não foi ainda

a verdade é que sob todo o vapor
foi dito
foi feito
foi e é nada de novo

20100116

estupidez

EX-TU
PID-EZ

uma palavra pode ser dita

suspiros, sorrisos, soluços
saltos e bocejos
sustos, assobios e sopros
bosque

palavra soterrada
sobre palavra
soterrada em palavra
grama

chuvas
céus
mundos

nenhuma palavra pode ser dita no vácuo
uma palavra pode ser dita
uma palavra pode ser vácuo

20100114

ontem fiquei acesa

20100113

Ser feliz por esperar tristezas.

Tristeza pouca resgata outras tristezas para comparar e entristece ainda mais por coisas tão mais difíceis. Isso quando não pensa no que ainda vai acontecer de triste numa tentativa inconsciente de ser feliz agora para aproveitar que outras coisas ruins ainda não aconteceram. Entristeço por estar triste. Mesmo feliz.

Sumir por tão pouco

Ânsia de vômito: cheia
Afeto: vazia
Dor de cabeça: sofrível
Pensamento: pulsante
Pufe: ocupado
Sono: choro
Tão pouco: muito

20100103

almofiada

desfiar travesseiro para fazer almofada

Em janeiro de 2010:

Desfazer as sobrancelhas e usar brincos de pressão.

Em fevereiro de 2010:
Desfazer os brincos e usar sobrancelhas de pressão.

Em março de 2010:
Desfazer a pressão e usar brincos nas sobrancelhas.

Em abril de 2010:
Desfazer o uso e brincar de pressionar as sobrancelhas.

Em maio de 2010:
Desfazer a brincadeira e pressionar as sobrancelhas usadas.