20080224

para voar:

Quando senti o céu aqui, logo pensei em tocá-lo, como se fosse íntimo meu. Foi a primeira vez que eu o peguei nas mãos, e para isso não precisei nem ficar nas pontas dos pés (como eu costumo fazer com coisas íntimas). Quase o desmanchei de tanto apertá-lo. E ele ficou com partes tão pequenas que o perdi por pouco menos de um ano (no nosso tempo, não no dele).

Eu o achei por acaso, quando sem respirar, eu pisquei. Um flash de céu. Azulzinho, como era naquele tempo. Ele sumiu assim que abri meus olhos e vi minhas mãos. Ainda acho que foi ele quem as colocou ali: a um palmo meu do meu rosto.

Eu virei a minha mão direita tão devagar na frente dos meus olhos que consegui percebê-la em soma, não em unidade. A minha mão direita é tanta coisa. Eu tive vontade de apertá-la bem forte para unir tudo sem nada de ar. E eu fiz.

Quando abri minha mão, eu a senti mais densa. Sem ar algum, eu pisquei aflita: seguidas vezes e sem parar para respirar. Piscando assim, minha mão foi ficando leve, ainda eu a sentia densa, mas agora mais leve que as minhas pálpebras. Tão devagar e tão leve, ela flutuou na minha vida. A cada piscada, um detalhe na minha mão respirava. Como se cada detalhe nela fosse uma coisa do mundo. E todas as coisas juntas encostaram no céu por um segundo - foi o último segundo que eu pisquei -. Comecei a piscar de novo, sem parar, sem respirar, e, com a minha mão no céu, fui tão feliz. Apertei o céu, como se fosse só meu. Sem que eu pudesse me mexer, a minha mão abriu, e soltou o céu. Foi quando encostei pela última vez minha mão nele. E bastou para ter aquela sensação dentro de mim, como se eu o tivesse engolido junto as coisas do meu mundo (afinal, meu mundo precisa de um céu).

Eu não o engoli, por fim, mas ele estava ali, em sensação, na minha mão. E, se eu quiser apertá-lo com força, é só parar de respirar e começar a piscar.

20080210

Como se Paula matasse Anna.

A Paula fala mais alto por ficar nesse corpo de Anna. Ela é transparente, sumindo com a Anna que é tão real e opaca.

Que de Anna eu já soube muito, por isso quero desta vez ser Paula por muito mais tempo que Anna, e até deixar Paula pra sempre viva; não como Anna, que só aparece pra equilibrar Paula.

A Paula é íntima. A Anna é Anna e só. A Paula é muito mais que Anna Paula, porque é só Paula, que não mede como Anna, sobre o que ser. A Anna é tão detalhista que enjoa dela mesma. A Anna não tem alma (a Anna tem úlcera).
A alma da Anna Paula é a Paula.

E a Alícia é um excesso de Paula. Como se Paula matasse Anna. Ou como se Anna virasse Paula também. Em vez de Anna Paula: Paula Paula: Alícia!

A Anna é coerente e por isso não entende a vida: que não é coerente. A Paula é a Paula. E a Alícia é incoerente.

Fui primeiro só Paula: quando nasci: quando pequena: quando cresci pela primeira vez e pensei: "não posso ser Paula com pessoas desconhecidas": a Anna analisou tudo e escondeu Paula por ser tão mais fácil e coerente ser só Anna (pessoa nenhuma se conhece ao todo, porque pessoas só são partes delas).

Passou um tempo de Anna. A Paula gritou, e logo Alícia. E então Alícia virou Anna Paula de novo.