20100626

E aí vem alguém e me pergunta: – Como anda o coração?

Oras, como eu poderia saber como ele anda se não sei nem por onde?

– Não sei, mas caso o encontres, diga que estou ocupada.
– Isso tem a ver com aquela briga antiga de vocês?
– Acho que sim, não nos damos muito bem desde então, ele não me compreende e eu não o compreendo. Aliás, não sei por que insisto nessa convivência há tanto tempo.
– Amor pelo amor.
– Eu não amo mais, muito menos o amor.
– Duvido.
– Duvidaria também se conseguisse. Eu sinto outras coisas e isso nada tem a ver com o coração. A questão é que ele desaparece e sem ele eu desisto.
– Desiste do quê?
– Oras, do que estamos falando!
– Eu esqueci, me desculpe. Mas por que não persistes na procura e te preenches com ela?
– Me parece meio patético...
– A partir do momento que conseguires de fato te comunicar com ele, saberás por onde ele anda, por que e como. E, numa dessas, consegues até mesmo amá-lo, assim como ele te ama.
– Ele me ama? Pois achei que me odiasse pela maneira de como me trata.
– Vou ser sincero, encontrei-o perto da praça da sorveteria choramingando por não conseguir conviver contigo.
– Jura?
– Mentira, ele só estava tomando sorvete.
– Mas não era sorvete com cor estranha, era?
– Ah, tinha uma cor meio misturada de goiaba com banana com umas mesclas cor-de-kiwi...
– Não disse, esse coração é louco! E depois eu que tenho que cuidar dos problemas que ele arranja. Aposto como vai voltar todo lambuzado querendo me enfiar essas cores estranhas goela abaixo!
– Dá uma chance pra ele, coitado, ele bem que se esforça. Melhor do que ficar aí toda gelada.
– Pelo menos sou gelada e transparente.

[Pequena apatia do diálogo.]

– E ele não se esforça coisa nenhuma, da última vez me trouxe uma abóborada que só vendo, a anterior foi um grande pepino e por aí vai.

[Eu não podia comentar que existiam as exceções das duas primeiras vezes, nas quais ele ainda tinha alguma noção e a gente dialogava numa boa, pois senão ia acabar dando uma brecha pra algum comentário deslizante.]

– Não vejo problemas em abóboras e pepinos.
– A verdade é que gosto bastante de pepino e até de abóbora, mas sabe quando não é isso que satisfaz o desejo? Então.
– Como assim?
– Suspeito desejar o que não existe ou o que vive do outro lado do mundo, algo assim, o que daria na mesma, de incerta forma...
– Você é louca, seu coração lá tomando um baita sorvete colorido na praça e você aqui querendo o outro lado do mundo!
– Sorvete colorido não me seduz, não adianta insistir.

Como eu desconfiava, bastou uma pausa pro coração chegar do passeio todo lambuzado, andar pela casa sujando tudo e depois se deitar na cama, contaminando a minha coberta preferida com aquele sorvete de cor estranha. E ainda teve a ousadia de me perguntar:

– Fez faxina na casa?

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