20081219

grávido caminho grave

cada passo era mais devagar que o último. quase parei. mas voltei a andar fazendo mais pressão contra o chão. diminui a velocidade de novo. bem devagar. bem devagar mesmo. diminui devagar e aumentei com pressão. a pressão servia pro caminho ficar mais macio. e grave.

o caminho ficou tão longo. a rua ficava cada vez mais comprida. parecia que quanto mais eu andava mais longe de casa eu estava. como um sapato que era novo e ficou velho. laceou. esta é a palavra certa para rua de hoje. laceada. eu andava e laceava a rua. e ela ficava longe até dos meus pés.

os meus movimentos estavam tão lentos que eu percebi coisas que nunca tinha percebido. vi uma casa que não tinha telhado na frente. atrás a casa o tinha. pisei devagar e respirei rápido. ela era algo novo e pedia para eu tratá-la de maneira diferente das outras vezes. eu caminhei um pouco mais rápido. contrastei com a pisada lenta. pisei lento como se não tivesse gravidade.

o caminho estava grávido de passos lentos e pisadas fortes. e depois pisadas leves. e então fortes. e então leves. leves como dançar balé de um jeito livre. o pica-pau dançava balé de um jeito livre na minha cabeça enquanto eu via o mapa da áfrica no meu vômito. mas esqueci de me concentrar no gato que saiu por trás do lixeiro. lembrei que o caminho teria muitos passos ainda pela frente. mesmo grávido de coisas graves. ou leves. ou fortes. o caminho estava parindo os meus passos.

esse caminho estava anoitecido por horas. amortecido. laceado e amaciado.

desse caminho nasceu também uma barata gigante. a barata estava me esperando em casa. já entrei com passos que pressionavam o chão contra o mundo. a barata se escondia e me enganava. eu jurava que ela tinha entrado no cesto da roupa suja. e isso era a coisa mais horripilante que podia acontecer. pior que tirar pica-pau dançando balé da cabeça.

não! o caminho me trouxe para conhecer uma barata não tão covarde assim. ela não daria um golpe tão baixo em mim. ela passeou com passos leves e fortes e outra vez leves e outra vez fortes pela casa. o banheiro foi o mais pisado. ela foi por cantos e por lugares estreitos e duros. eu procurava a maldita sebosa e ela fazia questão de não aparecer. até que eu resolvi buscar a vassoura para me auxiliar junto com o chinelo. ele não saía por um segundo da minha mão.

antes de buscar a vassoura e me distanciar do local do crime eu verifiquei que a monstrenga estava atrás da minha caixa com o quit para depilação. e saí rápido para voltar rápido. mas quando voltei, não! ela não estava mais por lá. fiquei tempos olhando. ela passou então suas gosmentas antenas por baixo da porta. ela tinha esperanças que eu não sabia onde ela tinha se metido. metida.

foi, então, que a insolente achou que aqueles passos rápidos iriam adentrar o meu quarto cheiroso e virgem de pisadas nojentas? aquele momento era a minha chance. confesso que foi horrível. minha primeira vez se preencheu de muitos golpes. nem tão certeiros assim. eu não queria que ela sofresse, mas eu não tinha outra maneira de vencê-la. ela estava no meu território. não era minha a culpa. espero que a família dela ache que ela foi viajar e nunca mais voltou. ela foi para a áfrica. ui.

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